De janeiro até 23 de abril de 2023, trabalhadores rurais sem terra realizaram 33 invasões de imóveis rurais pelo Brasil, número que já supera o total de ações em cada um dos últimos 5 anos.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) informou que, até o dia 20 de abril, houve 30 ocupações. Mas, no domingo (23), o movimento entrou em mais três fazendas. A maioria já foi desmobilizada após negociações com o governo federal.
As ações se intensificaram neste mês, como já era esperado, em razão do “Abril Vermelho”, uma Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária, promovida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em todo o mês de abril, em memória ao massacre de Eldorado do Carajás.
A ação que gerou mais tensão dentro do governo foi o entrada do MST em uma área de estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Petrolina (PE), no dia 16 de abril, que já foi desocupada no sábado (22).
A Embrapa é uma estatal vinculada ao Ministério da Agricultura, que realiza estudos voltados para o desenvolvimento do campo.
- Onde as ações ocorreram: a maioria ocorreu na Bahia (13) e em Pernambuco (11). Em seguida, foram nos estados de São Paulo (6), Espírito Santo (2) e Goiás (1);
- Tipos de propriedades: além da Embrapa, os movimentos entraram em terras de plantação de eucalipto; de antigas usinas de cana-de-açúcar; uma área que foi usada como cativeiro para tráfico internacional de mulheres e fazendas com dívidas tributárias;
- O que o MST quer: o movimento reivindica terra para morar e produzir alimentos. Para isso, exige um Plano Nacional de Reforma Agrária, com previsão de quantas famílias serão assentadas nos próximos 4 anos;
- Quantas famílias precisam de terra: o governo federal afirma que são 80 mil famílias à espera de assentamento. Já o MST diz que esse número é maior: 100 mil famílias, das quais cerca de 30 mil em processos de assentamentos não concluídos pelo Incra;
- Protestos nas sedes do Incra: houve protestos em 12 sedes estaduais do Incra, que foram encerrados no mesmo dia, após abertura de negociações com autoridades. Somente em Alagoas, a ocupação durou 2 dias (10 e 11 de abril), diz a assessoria de imprensa do MST;
- Movimento exigiu trocas no Incra e governo atendeu: o Incra é o órgão do governo federal que planeja a reforma agrária e, por isso, o MST pressionou o governo Lula para trocar chefes das superintendências regionais por nomes mais alinhados ao movimento. O pedido foi atendido. Segundo o Incra, já houve 23 trocas, de um total de 29 regionais do país;
- Ações geraram tensão em parte do governo Lula: os ministros da Agricultura e Pecuária e das Relações Institucionais, Carlos Fávaro e Alexandre Padilha, respectivamente, chegaram a condenar as ações do MST, principalmente na Embrapa. “Inaceitável”, disse Fávaro. “Eu condeno qualquer ato que danifique processos produtivos, áreas produtivas”, afirmou Padilha;
- MST diz que não invade terras, mas que as ocupam: o movimento argumenta que usa o termo “ocupação” porque escolhe, para as suas ações, terras improdutivas ou que “não cumprem sua função social”, o que, de acordo com o artigo 186 da Constituição são territórios que não respeitam os recursos naturais ou regras trabalhistas, por exemplo;
- Na Câmara dos Deputados: o presidente da casa legislativa, Arthur Lira (PP-AL), disse na última segunda-feira (24) que fará a leitura de três requerimentos de criação de comissões parlamentares de inquérito na Câmara (CPIs), entre elas envolvendo a atuação do MST;
- O que diz a associação do agro: a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), principal entidade representativa dos produtores, chegou a entrar com um pedido de liminar no Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 12 de abril, “para impedir invasões de propriedades rurais em todo o país.”
Movimento quer acelerar reforma agrária
As ações recentes do MST tiveram o objetivo de acelerar uma agenda de negociações com órgãos federais, para definir medidas concretas de distribuição de terra no Brasil.
Para o movimento, a reforma agrária dialoga diretamente com o combate à fome no Brasil, já que as famílias que compõe o grupo são formadas por pequenos produtores rurais que querem terra para produzir alimentos.
Segundo o MST, o Brasil tem, hoje, 65 mil famílias acampadas há mais de 10 anos.
Negociações com o Governo Federal
O movimento conseguiu se reunir, ao longo da última semana, com diversos representantes do governo, incluindo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O movimento pediu ao líder um aumento no orçamento para a reforma agrária.
O coordenador nacional do MST, João Paulo Rodrigues, disse ao jornal Valor Econômico que Haddad teria se comprometido a buscar mais terras para assentamento rurais. Isso poderia ser feito, por exemplo, por meio de uma negociação com devedores da União para a transferência de terras para a reforma agrária, em vez do pagamento da dívida em dinheiro.
O MST também se reuniu com o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Paulo Teixeira, na última quarta (19). Ele condicionou a manutenção do diálogo à desocupação das propriedades.
“Nós, lendo essa agenda [do MST], percebemos que ela já faz parte do programa do MDA, do Incra, da Conab e do governo do presidente Lula. E, ao recebê-la nós vamos nos debruçar sobre os temas doravante”, disse Teixeira, após a reunião.
“Eles [o MST] também se comprometeram conosco de se retirarem da área da Embrapa ocupada no estado do Pernambuco e também da área ocupada da empresa Suzano no Espírito Santo e, assim, vamos manter um diálogo”, acrescentou o ministro, após a reunião.
Trocas no Incra
O MST também exigiu trocas nos comandos das superintendências regionais do Incra, por “pessoas comprometidas com a reforma agrária”, segundo reforçou o movimento, em nota.
Ações do MST na Embrapa
A invasão de cerca de 600 famílias em uma área da Embrapa, de Petrolina (PE), foi uma das que mais gerou indignação em alguns integrantes do governo, como por parte do próprio ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro.
“A Embrapa, prestes a completar 50 anos, é um dos maiores patrimônios do nosso país. O agro produz com sustentabilidade se apoia nas pesquisas e todo o trabalho de desenvolvimento promovido pela Embrapa. Atentar contra isso está muito longe de ser ocupação, luta ou manifestação”, afirmou, em rede social.
O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, também chegou a se manifestar.
“Eu condeno qualquer ato que danifique processos produtivos, áreas produtivas. Não é a melhor forma de lutar por qualquer coisa. Condeno qualquer atitude que possa atrapalhar a produção”, disse Padilha. “Temos outros instrumentos melhores e mais efetivos para as bandeiras que possam ser levantadas.”
O movimento argumenta que o ato teve o intuito de chamar a atenção para a necessidade de investimento em pesquisas para a agricultura familiar.
“[…] Quando se desenvolvia [pesquisa nessa unidade], há 6 anos, era para o agronegócio. Porém, sabemos que é a agricultura familiar quem coloca a comida na mesa dos trabalhadores, e mesmo assim fica esquecida no parâmetro de pesquisa”, afirmou o movimento.
Além disso, o advogado do MST Ney Strozake diz que há famílias ao redor dessa unidade da Embrapa que estão “passando fome ou não têm onde trabalhar”.
“Essa ocupação, assim como muitas, foi realizada para chamar a atenção da imprensa, da sociedade e do governo federal para dizer ‘olha existe um problema: tem uma terra sem uso e temos tantas famílias sem-terra’, ou seja, o governo pode desapropriar aquela propriedade ou qualquer outra naquela região, onde a ocupação foi realizada, [para fazer a reforma agrária]”, acrescenta Strozake.
O MST desocupou a Embrapa no final de semana. Segundo o movimento, o governo federal se comprometeu com a compra de cinco propriedades, entre os municípios de Petrolina e Lagoa Grande, para fazer a reforma agrária.
Terras da Suzano
O movimento também entrou em áreas de propriedade da Suzano Papel e Celulose no sul da Bahia, e no município de Aracruz, no Espírito Santo, onde há plantações de eucalipto.
A Suzano, que é brasileira, é a maior produtora global de papel e celulose, exporta para 100 países e tem um faturamento anual em torno de R$ 22 bilhões, além de, aproximadamente, 35 mil colaboradores.
Segundo o movimento, as ações em terras produtivas, como nas da Suzano, querem chamar a atenção para o crescimento das monoculturas, o que, de acordo com eles, têm provocado êxodo rural e problemas hídricos.
“O problema da monocultura é que o meio ambiente fica arrebentado. Nem passarinho faz ninho nos pés de eucalipto. Então, o uso da terra não está cumprindo a função social”, diz Strozake, do MST.
Em relação a uma das ocupações na Bahia, a Suzano chegou a informar que não via legalidade na invasão, e que gera, na região, aproximadamente 7 mil empregos diretos e mais de 20 mil indiretos.
Além disso, afirmou que cumpre integralmente as legislações ambientais e trabalhistas nas áreas em que mantêm operações, além de citar projetos sociais que alcançaram mais de 50 mil pessoas.
As áreas da Suzano na Bahia já foram desocupadas, mas, no Espírito Santo, ainda seguem em processo de desocupação. Segundo o MST, o despejo foi adiado para o próximo dia 27 para que seja decidido o local para onde as famílias serão levadas.
Por que o MST intensifica as mobilizações em abril?
Todo o mês de abril, o MST realiza a Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária, com protestos e ocupações, período que ficou conhecido como “Abril Vermelho”.
O tema escolhido pelo movimento este ano foi “Reforma Agrária contra a fome e a escravidão: por terra, democracia e meio ambiente!”
A escolha do mês ocorre em memória ao Massacre de Eldorado do Carajás, em 17 de abril de 1996, quando 21 trabalhadores rurais que protestavam foram mortos por policiais militares, na altura da curva do S, no município de Eldorado do Carajás, Pará.
Por causa disso, o 17 abril é lembrado como o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.