A apreensão do rascunho de um decreto para anular a vitória de Lula (PT) nas eleições na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres pode ser mais uma pedra no caminho jurídico do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Os advogados do PT estudam usar a prova em ações que tramitam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e que podem tornar Bolsonaro inelegível.
Uma minuta de decreto para instaurar o chamado estado de defesa no TSE e rever o resultado da eleição foi encontrada pela PF após busca e apreensão na casa de Torres, em um condomínio no DF, na terça passada (10/1).
Torres é investigado sob a suspeita de omissão proposital na cadeia de eventos que culminou com a depredação das sedes dos Três Poderes no último domingo (8/1). O agora ex-secretário de Segurança Pública do DF teve a prisão preventiva decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e prometeu se entregar quando voltar dos Estados Unidos, o que pode acontecer nesta sexta (13/1).
Em sua primeira manifestação sobre a apreensão, o ex-ministro da Justiça procurou isentar Bolsonaro (e a si mesmo) de responsabilidade e alegou que o documento estava em uma “pilha para descarte” que ele guardava em casa, esperando o momento de levar “oportunamente” para triturar na sede do Ministério da Justiça. A defesa de Torres informou que ele não seria o autor da minuta, e que o documento teria sido entregue ao ex-ministro por outra pessoa, que não foi especificada.
Os advogados de Lula pretendem esperar o avanço das investigações conduzidas pela PF, mas afirmam que qualquer indício de ligação entre o documento e o ex-presidente será usado nas ações que tramitam contra Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral.
Revisão da eleição
Derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno da eleição presidencial, em 30 de outubro do ano passado, Bolsonaro jamais aceitou publicamente o resultado do pleito e vem mantendo um comportamento dúbio. Nesta semana, por exemplo, o perfil do ex-presidente no Facebook compartilhou (e depois apagou) um vídeo que questionava a vitória de Lula e dizia que ele havia sido “eleito pelo TSE” e não pelos eleitores.
Essa é a tese que motiva o rascunho de decreto encontrado num armário de Anderson Torres.
“Esse mecanismo tem a função de reestabelecer ordem pública ou paz social. A partir do pretexto de alguma instabilidade, ele flexibiliza garantias constitucionais, mas para fazer a Constituição voltar a ser respeitada”, explica o advogado e cientista político Nauê Bernardo, em entrevista.
O presidente da República pode usar essa carta, “ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional”, para “preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções”, diz a lei.
O decreto teria validade imediata, mas precisaria ser enviado ao Congresso em até 24 horas e votado em até 10 dias.
“Mas não é possível ver justificativa para acionar o estado de defesa contra o TSE, que realizou eleições sem nenhuma prova ou indício de fraude. E, ainda que se precise da aprovação do Congresso, um dia de estado de defesa já seria suficiente para provocar uma convulsão social. Um decreto assim seria a antessala de um estado de sítio, que traz mais restrições a direitos”, complementa Nauê Bernardo.
As pedras no caminho de Bolsonaro
Fora do cargo, Bolsonaro enfrenta ao menos 16 Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes), que correm no TSE e podem tirar seus direitos políticos.
Elas questionam o comportamento do ex-presidente de apostar no descrédito das instituições democráticas e o acusam de abuso de poder econômico e político, além de uso indevido dos meios de comunicação social.
Foi apurado que os advogados do PT cogitam incluir eventuais novas provas nessas ações que tramitam no TSE contra Bolsonaro. No entanto, eles entendem que é preciso esperar que as investigações avancem, para verificar se houve ligação de Bolsonaro com a minuta de decreto e qual o grau de envolvimento.
Os juristas a serviço do PT também acompanham com muita atenção as investigações em torno do quebra-quebra promovido por bolsonaristas em Brasília, tanto em 12 de dezembro, quando houve a tentativa de invasão à sede da PF, quanto no último domingo, com a depredação das sedes dos três Poderes.
A postagem de Bolsonaro com mentiras sobre o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas também está sendo usada como munição na ofensiva jurídica contra ele. Com alegação de que o ex-presidente segue dolosamente espalhando informações falsas sobre o processo eleitoral, a bancada do PSol na Câmara entrou com ação no STF pedindo a prisão preventiva dele e a suspensão de todas as suas redes sociais.
Os pedidos ainda não foram julgados pela Corte, mas juristas que acompanham a situação veem chances do banimento de Bolsonaro das redes prosperar.
Fonte: Metrópoles