“Apesar de ter uma pele clara, eu jamais fui lida enquanto uma pessoa padrão. Todos os meus traços majoritários são negróides. Minha boca, meu nariz, a pele marrom clara… mas aí eu era clara demais pra ser preta, e escura demais pra ser branca”, diz a estudante Larissa Lins, de 24 anos.
Natural do Recife e morando no Distrito Federal neste Dia da Consciência Negra (20), Larissa afirma que, antes de ter contato com o movimento negro e de estudar sobre questões raciais, não se compreendia enquanto uma pessoa negra.
A sensação de “não-lugar” experimentada pela estudante é relatada por muitas pessoas que se autodeclaram pardas. Se, por um lado, pessoas negras de pele clara têm mais vantagens sociais do que pessoas negras retintas, por outro, elas não são vistas pela sociedade como brancas. Um conceito usado para definir essa configuração é o de colorismo.
“Colorismo é a diferença de gradação de tons de pele que existe dentro da população negra. É como se o colorismo fosse uma reconfiguração do racismo”, explica a professora da Universidade Católica de Brasília, Kelly Quirino.
Kelly tem uma definição também para cor de pele. “Eu costumo falar que se a pessoa não é branca, preta é. Pessoas pardas sofrem muito mais situações de opressão e violência parecidas com pessoas pretas, do que com pessoas brancas. Elas não têm os privilégios que as pessoas brancas têm”, diz a pesquisadora.
Preta retinta
Kelly Quirino é uma mulher preta retinta (veja foto acima). Ela conta que sofreu racismo desde os seis anos de idade, na escola.
Quando entrou na universidade, se viu como minoria no ambiente acadêmico. Hoje, é autora de estudos de comunicação, étnico-raciais e de gênero.
“Se não houvesse racismo, não haveria nem essa discussão de colorismo. Porque o colorismo é você ficar classificando quem é mais negro e quem não é. No dia que a gente acabar com o racismo, vamos naturalizar as diferentes matrizes de tons de pele na negritude”, diz a professora.
‘Somos incentivados a não nos reconhecer’
A estudante Larissa Lins conta que alisava o cabelo crespo quando era criança. Por muito tempo, ela diz que ouvia de outras pessoas que ela não era negra.
Depois de letrada racialmente, a jovem afirma que foi mais fácil ver como o colorismo impactava a sua vida e a das pessoas ao seu redor.
“É tentado pregar pra gente essa coisa de democracia racial, de que somos todos iguais, ou essa visão da miscigenação romântica. Isso mascara a violência. […] A estrutura racista da nossa sociedade incentiva pra que a gente realmente apague nossa história, pra que a gente não se reconheça e não reconheça a nossa negritude”, diz Larissa.
A doutora em educação Janaína Bastos, autora do livro “50 Tons de Racismo”, explica que a percepção da cor da pele no Brasil, sobretudo dos pardos, varia conforme o contexto socioeconômico, cultural e geográfico.
Assim, segundo ela, uma pessoa pode ser percebida como “mais para branca” ou “mais para negra” dependendo da renda, da escolaridade, da cidade onde mora, do vestuário, dos hábitos e da forma de se comunicar.
“A primeira questão que nós temos que considerar, pensando numa solução, é o reconhecimento desse fato. Nós temos que reconhecer que nós estamos diante de um assunto complexo, que admite muitas nuances. Nós não podemos polarizar. Se aderimos a uma visão polarizada, isso não nos ajuda a entender a complexidade do problema”, diz Janaína.
População negra no Brasil
O grupo de pessoas que se declaram pardas é o maior do país, com 45,3% das respostas em 2022.
A parcela da população brasileira que se declara preta deu um salto em 10 anos. Em 2022, 10,6% dos brasileiros se declararam pretos, contra apenas 7,4% em 2012. Foi o maior aumento entre os grupos raciais brasileiros.
Os dados são da divisão de Características Gerais dos Domicílios e dos Moradores 2022 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgada em junho de 2023 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
‘O racismo adoece’
A professora Kelly Quirino alerta para a importância de se olhar para a saúde mental da população negra, que sofre com violências diárias em diversos âmbitos da vida.
Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), foram 2.458 ocorrências de crimes resultantes do preconceito de raça ou de cor em 2022. O valor é 67% maior do que os 1.464 casos de 2021.
“O racismo adoece. É uma jornada dura, não é fácil. Por isso, cada vez mais, é importante a gente pautar esses temas”, pontua Quirino.