Venezuela x Guiana: o que acontece após referendo ser aprovado

Os venezuelanos aprovaram no domingo (3) em referendo a proposta de seu governo para criar um novo estado em Essequibo, a região atualmente controlada pela Guiana que os dois países disputam. Segundo o governo da Venezuela, mais de 95% dos eleitores votaram a favor da questão, uma das cinco elaboradas na consulta pública.

O resultado acirrou as tensões na região e os temores pelo risco de um conflito armado local – o Brasil já reforçou a presença de militares no norte de Roraima, região que faz fronteira tanto com a Venezuela quanto com a Guiana.

O referendo tinha apenas caráter consultivo e, por isso, não é automaticamente vinculante – ou seja, o resultado não significa que o Estado da Venezuela está autorizado a anexar a região, que representa mais de 70% do território da Guiana atualmente e tem uma área maior que a da Inglaterra. Mas foi visto por Caracas como um passo a mais para tomar o controle do território.

Nesta segunda-feira (4), o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, falou de “vitória esmagadora” de “um povo que ergueu bem alto sua bandeira tricolor com as oito estrelas (a bandeira da Venezuela) que brilharam como nunca”.

No domingo (3), Maduro disse que o resultado fará o governo “recuperar o que os libertadores nos deixaram” – em referência à reivindicação histórica na Venezuela de que o território era originalmente do país e foi ilegalmente anexado pelo Reino Unido, de quem a Guiana é ex-colônia.

Líderes e membros da oposição, no entanto, apontaram que vários fatores indicaram que o resultado não reflete a opinião da população, entre eles:

  • O baixo comparecimento – 10 milhões dos 20 milhões de eleitores da Venezuela votaram, segundo o governo. Mas o partido de oposição Voluntad Popular, do opositor Leopoldo López, afirma que o número total de votantes foi ainda menor.
  • Também houve relatos por parte da oposição de que estudantes do Ensino Médio, menores de idade, foram retidos em escolas e obrigados a votar. O governo ainda não havia se manifestado sobre essa acusação até a última atualização desta reportagem.
  • O governo proibiu uma campanha oficial contra o referendo, ao contrário da publicidade que o regime de Maduro deu para o lado favorável à consulta pública.
  • No domingo (3), as autoridades eleitorais chegaram a estender a votação por duas horas.

Testemunhas da agência de notícias Reuters visitaram centros de votação em todo o país com pouca e nenhuma fila. Em Maracaibo, no estado de Zulia, rico em petróleo, os mesários disseram à Reuters que o comparecimento às urnas foi baixo.

“O governo está realizando o referendo por razões internas. Eles precisam testar sua máquina eleitora”, afirmou o diretor do Centro de Estudos Políticos da Universidade Católica Andrés Bello, em Caracas, Benigno Alarcón.

A oposição venezuelana também acusa o regime de Maduro de estar usando a pauta de Essequibo e o referendo como cortina de fumaça para as eleições que o país realizará em 2024.

A candidata María Corina Machado, que venceu prévias da oposição mas foi impedida de concorrer pela Justiça venezuelana, já disse que Caracas tentará prolongar ao máximo os debates sobre os desdobramentos da consulta pública enquanto tentará impedir que mais candidatos concorram com Nicolás Maduro.

Nesta segunda-feira (4), Corina afirmou que pretende acionar a Corte Internacional de Justiça.

“Todos nós sabemos o que aconteceu ontem: o povo suspendeu um evento inútil e danoso (…). Agora devemos apresentar uma defesa impecável de nossos direitos na Corte Internacional de Justiça”, disse.

O Voluntad Popular, de Leopoldo López, chamou a consulta pública de “manobra propagandística da ditadura” e comparou o índice de comparecimento com o das primárias que a oposição realizou – oficialmente, 2,3 milhões foram às urnas em primárias organizadas pela oposição venezuelana em outubro para definir o candidato que enfrentaria Nicolás Maduro nas eleições presidenciais de 2024 no país.

Mas a oposição afirma que os números de votantes no referendo de domingo é muito menor e foi maquiado pelo presidente do Conselho Eleitoral.

“Tentaram encobrir o sucesso esmagador da participação nas primárias, mas a realidade explodiu em seus rostos: os venezuelanos votaram em massa nas primárias porque querem mudanças, mas se abstiveram no referendo”, declarou o partido pelas redes sociais.

Corte Internacional de Justiça

Pessoas fazem fila para votar em referendo realizado pela Venezuela sobre o território de Essequiba, disputado com a Guiana, em Caracas, em 3 de dezembro de 2023. — Foto: Leonardo Fernandez Viloria/ Reuters
Pessoas fazem fila para votar em referendo realizado pela Venezuela sobre o território de Essequiba, disputado com a Guiana, em Caracas, em 3 de dezembro de 2023. — Foto: Leonardo Fernandez Viloria/ Reuters

Tanto o resultado quanto a realização do referendo em si desafiam a determinação da Corte Internacional de Justiça, a instância mais alta da Organização das Nações Unidas (ONU) para julgar casos de soberania entre países. Na sexta-feira (1º), os juízes do tribunal decidiram, de forma unânime, que a Venezuela não pode fazer nenhum movimento para tentar anexar Essequibo.

Ao explicar a decisão unânime da Corte de Haia, a presidente do tribunal, Joan Donoghue, afirmou que as declarações do governo venezuelano das últimas semanas sugeriam que Caracas “está tomando medidas para assumir o controle e administrar o território disputado”.

“Além disso, oficiais militares venezuelanos anunciaram que a Venezuela está tomando medidas concretas para construir uma pista de pouso que servirá como apoio logístico para o desenvolvimento integral de Essequibo”, disse Donoghue durante sessão para a leitura da sentença.

No domingo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comentou o referendo e pediu “bom senso”.

“Se tem uma coisa que o mundo e a a América do Sul não está precisando agora é mais confusão, mais briga. Espero que o bom senso prevaleça e a gente possa trabalhar para melhorar a vida das pessoas”, declarou.

Fonte: G1

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